quarta-feira, 24 de abril de 2013

Psicanálise e Psicologia

Psicanálise e Psicologia são práticas muito distintas, porém a maioria das pessoas, dentre eles os estudantes de psicologia, os profissionais, os pacientes assim como a comunidade em geral não sabem diferenciá-las. Hoje em dia ainda são poucos os pacientes que procuram por psicanalistas e demandam um desejo de análise, principalmente em cidades pequenas, aonde a psicanálise ainda não faz parte da cultura.
É um erro comum até mesmo de profissionais acharem que psicólogo e psicanalista tratam a mesma coisa, só que de maneiras diferentes, que apesar de serem abordagens distintas no final os resultados alcançados são parecidos, logo ficaria a critério de cada pessoa escolher qual abordagem mais se identifica.
Outro pensamento equivocado, mas que ainda se ouve falar é: se você quer tratar algo mais pontual procure um psicólogo, mas se for algo mais profundo vá a um psicanalista. Não acredito que essa frase seja correta, uma vez que esses profissionais tratam de coisas totalmente diferentes. O psicólogo estuda o ser humano de forma abrangente, pensamento e comportamento, já o objeto de estudo do psicanalista não é o ser humano, mas sim o inconsciente.
Um psicólogo realiza diagnóstico dos transtornos mentais segundo DSM IV e o CID 10 e trabalha através de psicoterapia para tratar o transtorno e para isso contam com uma teoria o quanto mais sólida possível, com uma lógica consistente para explicar o funcionamento do indivíduo e do seu transtorno. Já os psicanalistas não trabalham pelo viés da lógica consistente, uma vez que o inconsciente não apresenta lógica, ele é para – consistente.
Um psicólogo durante as sessões de psicoterapia pode passar a seus pacientes o maior número de informações possíveis sobre o seu transtorno, assim como desenvolver com ele métodos para evitar recaídas. Um psicanalista nunca chega a oferecer a seus pacientes as melhores opções as serem tomadas frente ao problema, bem como não oferece informações sobre seu transtorno, já que um psicanalista não trabalha o transtorno, mas sim a estrutura psíquica: neurose, psicose e perversão, logo também não realizam psicodiagnóstico.
Outra diferença é que se pode aprender psicologia através do estudo e desenvolver uma psicologia coerente mesmo que nunca se tenha submetido à psicoterapia, desde que, claro, tenho uma formação superior em psicologia. A formação do analista se dá através de um tripé, que consiste em análise pessoal, supervisão e estudo, pois a única maneira de “aprender” psicanálise é passando pelo método, ou seja, a psicanálise se aprende no divã.
Não é necessário ser psicólogo, para ser psicanalista, justamente por serem práticas muito diferentes, mas a maioria dos psicanalistas são médicos ou psicólogos. A formação em psicologia se dá através de universidade, já a de um psicanalista por meio de instituições psicanalíticas.
No teatro de Molière, há uma expressão que resume o trabalho do analista: um analista não tem por que explicar para os pais da menina o porquê ela não fala. O único valor possível de seu trabalho é o de fazê-la falar. Diferentemente do psicólogo, o psicanalista não trabalha com explicação, compreensão e com a lógica, pois o tratamento psicanalítico nunca se dá sobre aquilo que o pacientes já sabe de si mesmo, mas sim sobre o que ele não sabe.
A psicologia trabalha os transtornos visando à eliminação do sintoma e a melhora na qualidade de vida do paciente. A psicanálise não foca seu trabalho no sintoma, nem visa à eliminação dele, porque é através dele que se chega ao inconsciente. Sendo assim definitivamente analistas e psicólogos não se ocupam do tratamento dos mesmos problemas.

Daniela Bittencourt

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Voce quer o que deseja?



          Será que queremos realmente o que desejamos? Para a psicanálise querer e desejar são dois conceitos diferentes, ou seja, posso querer uma coisa conscientemente, mas inconscientemente não desejar essa mesma coisa, pois somos sujeitos divididos entre nossa consciência e nosso inconsciente e esse jogo de forças se faz presente em todo ser humano.
Quando falamos de consciência estamos falando daquilo que o sujeito sabe sobre si mesmo e quando nos remetemos ao inconsciente estamos ai designando um conjunto de conteúdos recalcados, conteúdos que são desejos e fantasias infantis, aquilo no qual o sujeito adulto não lembra porque está reprimido. Nesse sentido não deveríamos negligenciar a força do inconsciente quando alguém diz querer muito algo e não consegue realizar, uma vez o desejo inconsciente é muito mais forte do que o querer da consciência.
O inconsciente é aquilo que não cessa de se inscrever, sendo que Freud atribui que o sofrimento humano estava ligado a esse jogo de forças, aonde muitas vezes aquilo que seria consideração prazer inconsciente poderia aparecer ao mesmo tempo na consciência como um desprazer, um sofrimento para o sujeito.
Fica mais fácil pensarmos quando ouvimos algumas pessoas dizendo: quero tal coisa, mas não consigo, ou, quero parar com isso e não consigo, nesses casos é preciso analisar quais desejos inconscientes que fazem com que o sujeito não consiga realizar o que diz que tanto quer.
Logo sempre que pensarmos o ser humano temos que levar em consideração essas duas instancias psíquicas: consciência e inconsciente, que são dois registros diferentes e quando o inconsciente se satisfaz muitas vezes o sujeito entra em sofrimento seguido de arrependimento e culpa. Na maioria dos casos a pessoa nem sabe por que faz tal coisa, ou nem consegue dizer por que aquilo lhe causa sofrimento, ela apenas sente.
E é a partir do que a pessoa sente, fala e vive que a psicanálise vai poder trazer um saber sobre o que lhe acontece, não qualquer saber, mas o do inconsciente, para apaziguar o seu sofrimento.

Daniela Bittencourt – Psicóloga CRP 12/07184.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Os sonhos e a vida psíquica



Seria um erro considerar que os sonhos não têm importância nenhuma e dizer que o mesmo não tem sentido. Para a Psicanálise, os sonhos dizem respeito á vida psíquica do sujeito. Os sonhos têm um sentido por mais que aparece desconexo e absurdo, mas ele é pleno de significações inconscientes. Os sonhos são a via régia para o inconsciente, ou seja, o inconsciente se manifesta através dos sonhos.
Freud interpretou os sonhos dos seus pacientes e para ele os sonhos são a realização de um desejo inconsciente e infantil. No sonho o desejo se apresenta se mostra, mas não se realiza. Mesmo quando os sonhos são desprazerosas, ou sonhos de angústia, ainda assim se trata de uma manifestação do desejo, lembrando que os sonhos sempre vêm distorcidos e fragmentados, e que esse desejo se trata de um desejo infantil.
Os sonhos têm um sentido para a psicanálise, um sentido inconsciente, o sonho que o sujeito está contando tem uma ligação íntima com a sua vida. O sonho é como a análise, é um a um, porque o inconsciente é singular e por isso é impossível fazermos interpretações que sirvam para todos, como no caso de almanaque dos sonhos, isso seria para a psicanálise uma interpretação selvagem. Às vezes se leva uma análise inteira para interpretar um sonho, em outras palavras a análise de um sujeito pode estar condensada em um único sonho.
O sonho é uma manifestação do inconsciente, o sonho fala sobre o sonhador. Porque então se sonha com coisas que aconteceram no dia anterior? Porque o sonho utiliza-se dos restos diurnos; acontecimentos, pensamentos e preocupações para se ligar a um conteúdo inconsciente reprimido. Dessa forma entender o sonho não é um processo assim tão fácil porque os sonhos aparecem distorcidos e sem sentido na consciencia, o que não nos permite perceber seu real significado. No sonho encontramos o processo de deslocamento e condensação, ou seja, uma idéia ou uma imagem é deslocada para outra, ou condensada em várias, por isso é difícil compreender os sonhos, uma vez que esses processos acontecem  porque o material inconsciente não consegue passar para a consciência em seu estado bruto, mas somente de forma disfarçada.
O sonho mostra uma coisa e muitas vezes quer dizer outra. Do ponto de vista do inconsciente, sempre quer dizer outra coisa porque o desejo é sempre conflitante e o sujeito para a psicanálise é sempre sujeito dividido, entre sua consciência e seu inconsciente. No sonho o sonhador é sempre o protagonista, os sonhos são narcisos, aonde a pessoa que sonhou é o autor principal. Quanto mais distorcido o conteúdo do sonho, mais forte ele é no inconsciente, mais forte é a sua carga libidinal.
Não nos preocupamos com aquilo que os sonhos parecem dizer, porque esse parece dizer não é o que nos interessa, ou seja, não é o conteúdo inconsciente. O analista vai à busca de sentido inconsciente do sonho, a partir de toda história de vida do sujeito, mas quem atribui o sentido daquele sonho é o próprio sonhador num processo de análise. Vejamos bem, fora de análise às resistências não nos permitem atribuir o sentido inconsciente do sonho, mas apenas o consciente, porque ao inconsciente não temos acesso e o trabalho do analista é justamente o de ouvir o inconsciente.
E por que o inconsciente se manifesta nos sonhos e não se manifesta enquanto estamos acordados? Porque é durante o sono que as resistências diminuem e o material inconsciente consegue passar para á consciência, mas só de forma transformada. O inconsciente se manifesta também durante o dia, mas de outra forma: através do sintoma, atos falhos, chistes e esquecimentos.
Os sonhos são na verdade uma estrada para o conhecimento do inconsciente, e para a psicanálise o importante não é o estudo aprofundado dos sonhos, mas sim o conteúdo inconsciente nos sonhos, uma vez que através da interpretação dos sonhos pode-se ter acesso ao inconsciente, sendo que a interpretação do sonho é a via real para o conhecimento das atividades da vida psíquica.

Daniela Bittencourt - Psicóloga  CRP 12/07184



segunda-feira, 1 de abril de 2013

Autismo e Psicanálise



    

    

Dia 02.04 é o dia da conscientização do autismo, por isso resolvi escrever sobre o autismo e a psicanálise. O autismo é uma síndrome que afeta a capacidade afetiva, a comunicação e a linguagem, e é considerado pela neurologia e a psiquiatria de origens puramente orgânicas e genéticas. Foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo médico austríaco Leo Kanner que definiu a síndrome como um quadro grave que atinge a criança por volta dos dois anos de vida. 
O autismo é considerado um transtorno global do desenvolvimento marcado por três características fundamentais: inabilidade de interagir socialmente, dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se e padrão de comportamento restritivo e repetitivo.
O diagnóstico é feito por volta dos dois ou três anos de idade e é essencialmente clínico, através dos sintomas e relatos dos pais e da avaliação do comportamento da criança. Hoje já se sabe que os sintomas podem aparecer nos primeiros meses de vida, mas infelizmente na maioria dos casos não são identificados precocemente.
O autismo é há muito tempo objeto de estudo da psicanálise, mas o que a psicanálise pode fazer diante de uma criança com esse diagnóstico? Enquanto tratarmos a doença como puramente genética ou biológica estamos fadados a pensar não há muito a fazer em relação a essa síndrome e os próprios pais acabam perdendo as esperanças de melhora de seus filhos. Mas a psicanálise trás um outro olhar sobre essa questão quando pensa o autismo,  a partir de uma falha na linguagem, no campo do simbólico, uma falência da operação significante, algo que acontece no início da constituição psíquica do bebê.
Aprendemos com Alfredo Jerusalinsky, que o nascimento de um filho sadio não é suficiente, apesar de sua integridade neurofisiológica, para garantir a constituição nele de um sujeito psíquico. Em alguns casos quando essa constituição está debilitada, ou muito precária, é necessário uma intervenção que possibilite esse bebê a ter acesso ao mundo psíquico, ao simbólico e a linguagem.
 É muito comum em nossa cultura a idéia de que crianças muito pequenas não podem apresentar sofrimento psíquico, porque afinal quais problemas teriam um bebê? Mas se pensarmos que Sigmund Freud atribuiu uma importância muito grande aos primeiros anos de vida porque é nesse período aonde acontece toda a construção do aparelho psíquico.
 Outra questão muito discutida na psicanálise é: será que conseguimos prevenir o autismo?  O que hoje se sabe através de pesquisas é que podemos identificar alguns sinais de riscos de desenvolvimento psíquico precocemente. Quando esses sinais são descobertos a tempo, com apenas alguns meses de vida, pode-se fazer um trabalho psíquico, através de uma intervenção precoce a fim de mudar o destino dessa criança. Esses sinais são: o bebê não interage com a mãe, nem com o ambiente, não responde aos chamados maternos, não olha nos olhos, não procura o olhar da mãe, não diferencia o colo da mãe das outras pessoas e parece preferir gostar de ficar sozinho.
 Não se pode acreditar que com o tempo o bebê vai apresentar melhoras, vai interagir melhor ao ambiente, e que ainda é muito pequeno por isso não responde aos chamados maternos. O tempo não cura ninguém, muito pelo contrário, nesses casos é preciso haver um tratamento adequado prontamente antes do diagnóstico de autismo, isto é, nos primeiros meses de vida.
 Infelizmente as pessoas não percebem os sinais de riscos precoces e não estão preparadas para identificá-los logo no início. Deve-se procurar por um tratamento quando aparecerem os primeiros sinais de riscos de desenvolvimento psíquico e ele devem ser feito por um especialista que trabalhe com bebês, porque muito pode ser feito por seu filho, ainda nos primeiros meses de vida a fim de possibilitar para que essa criança tenha uma nova direção quanto a sua constituição psíquica.         
 Receber um diagnóstico de autismo não é fácil para os pais. Mas será que depois do diagnóstico nada pode ser feito? Será que essa criança está fadada para sempre a essa condição psíquica? Não há nenhum tratamento que possibilite uma melhora na vida dessa criança, adolescentes ou adultos para que possam estabelecer laços sociais, ter acesso a linguagem e serem sujeitos do desejo, que respondem por seus próprios nomes e vidas?
  A Psicanálise nos diz que sim, que há muito que se fazer e que o tratamento é longo, mas produz bons resultados.  Geralmente ele é feito com a presença da mãe e do filho e trabalha o tempo todo unicamente com palavras. Mas o que se pode esperar desse tratamento? O objetivo dele é produzir uma mudança interna, sendo que essa mudança vai permitir melhorar a interação com o meio em que vive, não é um tratamento focado na adaptação da criança ao ambiente, mas sim na constituição do mundo psíquico.

Daniela Bittencourt – Psicóloga CRP 12/07184